Alguns filmes chegam mansinhos, como quem traz flores. Outros aparecem de cara lavada, faca na mão e um sorriso britânico de canto. Os Roses: Até que a Morte os Separe pertence, sem dúvida, à segunda categoria. Dirigido por Jay Roach e escrito por Tony McNamara (A Favorita, Pobres Criaturas), o longa é uma nova versão ácida de A Guerra dos Roses (1989), que por sua vez já adaptava o livro de Warren Adler.
E o que muda em 2025? Tudo e nada ao mesmo tempo. Porque, afinal, guerra conjugal é atemporal: muda a casa, muda a profissão, muda a hashtag, mas o ringue continua sendo a sala de estar.
Ivy e Theo Rose: um casal britânico em campo minado
Olivia Colman e Benedict Cumberbatch interpretam Ivy e Theo Rose, casal que poderia muito bem ter fugido de uma screwball dos anos 40 — não fosse pelo sarcasmo venenoso digno de um trending topic sobre divórcios milionários.
Ela: chef talentosa, esfomeada de sucesso.
Ele: arquiteto cujos projetos e ego desmoronam na mesma proporção.
O filme abre com uma sessão de terapia onde a lista de “10 coisas que vocês amam um no outro” se transforma rapidamente em um duelo verbal com insultos tão afiados que fariam Noel Coward aplaudir do além. É a senha para 105 minutos de brigas transformadas em arte performática, diálogos cheios de cinismo e um jogo de poder que lembra mais um battle royale conjugal do que um casamento.
McNamara: diálogos como lâminas de aço inox
O texto de Tony McNamara não perdoa: rápido, cruel, elegante. É aquele tipo de roteiro que deixa você rindo e se sentindo mal por rir ao mesmo tempo. O problema é que, lá pela metade, o filme parece se apaixonar demais pelo próprio sarcasmo e esquece de alimentar a química entre Colman e Cumberbatch. A mordida continua lá, mas perde a crocância.
Ainda assim, quando os dois atores estão em sincronia, a mágica acontece: olhares substituem facadas, o silêncio pesa mais que um grito, e a piada vem embrulhada em dor emocional.
O humor negro que beira o sadismo
Os Roses não está aqui para oferecer reconciliação ou esperança. É comédia, mas com cheiro de pólvora. O amor vira munição, a intimidade vira arma, e cada briga é um espetáculo à parte.
Se você procura aquele “final feliz” açucarado, esqueça. Aqui o final pode ser beijo… ou esfaqueamento. Ou os dois.
Essa é a graça e o risco: o filme desmonta a ilusão romântica, mas corre o perigo de se tornar ensimesmado, girando em torno do próprio cinismo.
Cena de ouro: o Negroni para HAL
Um dos momentos mais brilhantes envolve Ivy (Colman) oferecendo um Negroni ao sistema de inteligência artificial da casa high-tech projetada por Theo. O HAL doméstico responde: “Eu não tenho vontades ou necessidades.” Ivy retruca: “Casa comigo.”
Cômico, triste e humano ao mesmo tempo. É a síntese do filme em uma única cena: o ridículo convivendo com a dor, a piada se confundindo com o desespero.
O problema do elenco coadjuvante
O restante do elenco serve de válvula de escape, mas nem sempre no bom sentido. Andy Samberg e Kate McKinnon repetem os mesmos maneirismos do Saturday Night Live. Jamie Demetriou e Zoë Chao aparecem em subtramas tão discretas que poderiam ser cortadas sem dó.
A exceção é um jantar em que Demetriou e Chao despejam ressentimentos como quem serve sobremesa. É bom, mas soa infantilizado demais diante da densidade dos protagonistas.
Por que Os Roses divide tanto?
Quem vai amar:
Fãs de diálogos ácidos e performances impecáveis.
Quem curte ver Olivia Colman mastigando o roteiro como se fosse banquete.
Espectadores que preferem humor negro a romances cor-de-rosa.
Quem vai odiar:
Quem acha que comédia romântica ainda precisa de romance.
Quem se incomoda com roteiros que parecem threads de Twitter sarcástico.
Quem queria mais química e menos autopromoção do sarcasmo.
Final explicado de Os Roses: Até que a Morte os Separe
Sem entregar tudo: o filme não segue pelo caminho óbvio do “felizes para sempre”. McNamara e Roach optam por algo mais ambíguo: um desfecho em que o amor e o ódio se confundem, deixando o espectador dividido entre rir, chorar ou mandar mensagem para o terapeuta.
É o tipo de final que não fecha as portas, mas deixa o gosto amargo — propositalmente. Uma piscadela ao original de 1989, mas com a crueldade revestida de ironia millennial.
O veredito
Os Roses: Até que a Morte os Separe é fresco, espirituoso e cheio de cinismo.
Um filme que faz você rir quando não devia, duvidar se ainda acredita em “felizes para sempre” e, de quebra, ter vontade de pedir um Negroni gelado.
Nem perfeito, nem morno: é um retrato cruelmente divertido das relações modernas.
E, convenhamos, se Olivia Colman e Benedict Cumberbatch decidirem se esfaquear em cena, a gente agradece pelo espetáculo.