O Clube do Crime das Quintas-Feiras: Netflix matou a graça ou entregou um whodunit aconchegante?

Whodunit virou moda de novo. Depois de Entre Facas e Segredos ressuscitar o gênero e Kenneth Branagh insistir em brincar de Agatha Christie com bigode fake, todo estúdio quer sua fatia do bolo. A Netflix, claro, não ia ficar de fora e trouxe a adaptação de O Clube do Crime das Quintas-Feiras, best-seller de Richard Osman.

Só que aí vem a pergunta: o streaming abraçou o charme do livro ou entregou mais uma novela britânica com gente famosa tomando chá enquanto alguém morre fora de quadro?

Spoiler: é um pouco dos dois.


Do livro para a tela: fidelidade ou traição?

Adaptar livro amado é sempre cilada. A galera lê com carinho, imagina os personagens, cria expectativas… e aí chega o filme mudando tudo. Em O Clube do Crime das Quintas-Feiras, o diretor Chris Columbus (aquele mesmo de Esqueceram de Mim e Harry Potter) decidiu acelerar o passo: cortou personagens, enfiou umas cenas de suspense que parecem importadas de outro filme e trocou o ritmo calmo da obra por algo mais “Netflix-friendly”.

Resultado? Funciona para quem nunca leu o livro, mas pode irritar os fãs que esperavam o mesmo tom aconchegante e cheio de nuances. É como trocar um chá das cinco por uma lata de energético. Dá energia, mas perde a sutileza.


Os quatro mosqueteiros da terceira idade

Se o roteiro divide opiniões, o elenco é unanimidade. Helen Mirren, Ben Kingsley, Celia Imrie e Pierce Brosnan formam o tipo de quarteto que já valeria o ingresso sozinho.

  • Helen Mirren: praticamente a rainha do filme. Como Elizabeth, mistura mistério, inteligência e ironia. É a mais divertida de assistir e dá pra sentir que ela se divertiu filmando.

  • Ben Kingsley: impecável como sempre, transforma Ibrahim em uma mistura de psicólogo metódico e comediante acidental.

  • Celia Imrie: rouba cenas com a doçura de Joyce, especialmente quando vibra com a chance de investigar um assassinato.

  • Pierce Brosnan: sim, o ex-007 funciona como Ron, trazendo charme desleixado e carisma ranzinza.

Aliás, Brosnan e Kingsley juntos rendem uma química que o roteiro deveria explorar mais. É como ver um James Bond aposentado discutindo filosofia de boteco com Gandhi.


A Netflix e a obsessão por acelerar tudo

Uma das mudanças mais gritantes é o ritmo. No livro, Osman costura pistas com calma, deixa o leitor se apegar às conversas, aos dilemas, às pequenas piadas. No filme, Columbus parece estar sempre com pressa. O espectador mal se acomoda na poltrona e já tem pista nova, cena de ação forçada e reviravolta antecipada.

É como se o filme tivesse medo de você pausar para ir ao banheiro e nunca mais voltar.

Essa correria tira parte do coração da obra, especialmente no final, que no livro é mais agridoce e aqui vira uma solução convencional demais. Aronofsky pode se perder em pretensão, mas Columbus se perde em segurança.


Produção: aconchego britânico com cara de franquia

Se tem algo que funciona de verdade, é a direção de arte. Coopers Chase, o condomínio de aposentados, vira praticamente um personagem: apartamentos com detalhes da personalidade de cada morador, jardins fofinhos, clima de comunidade mágica. Columbus pode ter apressado o roteiro, mas acertou na ambientação.

Dá pra sentir que a Netflix já pensa em transformar isso em franquia estilo Agatha Christie 2.0. E, sinceramente, não seria má ideia. Esses personagens merecem mais filmes — desde que alguém dê ao roteiro mais coragem e menos tesoura.


Por que O Clube do Crime das Quintas-Feiras divide o público?

  • Vai agradar:

    • Fãs de elenco britânico estrelado.

    • Quem quer um whodunit leve e sem sangue na parede.

    • Quem não leu o livro e não vai ficar comparando cada linha.

  • Vai irritar:

    • Leitores que amam o texto de Osman e sentem falta da profundidade.

    • Quem queria algo mais ousado, no estilo Glass Onion.

    • Quem acha que Netflix já pasteurizou até assassinato.


Final explicado: o que mudou?

Sem spoilers pesados, mas já avisando: o filme opta por uma resolução mais convencional que a do livro. Enquanto Osman entregava uma virada que deixava o leitor meio desconfortável (no bom sentido), Columbus suaviza e busca um “final quentinho no coração”.

É satisfatório? Sim.
É memorável? Nem tanto.

A moral fica clara: para a Netflix, é melhor agradar a maior quantidade de assinantes possível do que arriscar um final que divida opiniões.


O veredito

O Clube do Crime das Quintas-Feiras é um bom passatempo, mas não uma obra-prima do gênero.
É aconchegante, engraçado e cheio de estrelas que brilham mesmo quando o roteiro não ajuda.

Para quem leu o livro, pode soar como versão diluída. Para quem não leu, é um whodunit gostoso para uma noite de sofá e vinho barato.

No fim, o clube de quinta-feira pode até não resolver o crime perfeito, mas entrega algo raro na Netflix: um filme de mistério que não dá vontade de desligar no meio. E isso, convenhamos, já é uma vitória.

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