Imagine Darren Aronofsky, o mestre da angústia existencial, trocando a tragédia pela trapaça, o simbolismo por sarcasmo e a agonia por ação. Sim, é real: Ladrões é o novo filme do diretor de Cisne Negro, Réquiem para um Sonho e A Baleia, e não tem absolutamente nada a ver com qualquer um deles. E quer saber? Ainda bem.
Uma comédia de erros com cheiro de gasolina e VHS
Ladrões é como se Guy Ritchie e Shane Black tivessem escrito um roteiro de ressaca e deixado nas mãos de Aronofsky por acidente — e ele, por algum motivo cósmico, resolveu levar a ideia adiante. E que bom que levou.
A trama acompanha Hank Thompson (Austin Butler), um bartender ex-jogador de beisebol, com problemas de bebida e uma tendência incontrolável a se meter em encrencas. Quando seu vizinho excêntrico pede que ele cuide de seu gato (chamado Bud, o verdadeiro dono do filme), Hank se vê no meio de uma trama de máfia, tiros, perseguições e gângsteres que parecem ter saído de um quadrinho sujo e amassado dos anos 90.
Nada de metáforas bíblicas, mães universais ou baleias chorosas. O objetivo aqui é só um: entreter.
Um novo Darren Aronofsky? Ou só férias criativas?
Depois de anos sendo o garoto-propaganda do sofrimento estético, Aronofsky parece estar dizendo: “e se eu só quiser me divertir um pouco agora?”. Em vez de diálogos pesados sobre moralidade e autocontrole, temos piadas espertas, planos mirabolantes, ação estilosa e um elenco visivelmente se divertindo com o absurdo.
A Nova York de 1998, onde tudo se passa, é suja, neonizada e nostálgica. É pré-11 de setembro, com World Trade Center brilhando ao fundo e clima de cidade em ebulição — perfeito para um filme que mistura gentrificação, violência urbana e… beisebol?
O próprio título do filme já entrega o espírito: todo mundo aqui está roubando algo. Uns dinheiro. Outros, identidade. Hank rouba cenas (e corações), o gato Bud rouba o show, e Aronofsky rouba de si mesmo o direito de fazer algo diferente.
Austin Butler: de Elvis a trapalhão noir
Depois de Elvis e Duna: Parte 2, Austin Butler volta à tela como um protagonista mais mundano — um homem que tropeça nas próprias escolhas com a mesma frequência com que derrama whisky no balcão.
Hank é carismático, azarado, atrapalhado e cheio de boas intenções. Ou seja: o cara perfeito pra protagonizar uma comédia de erros recheada de gângsteres armados e gatas (literalmente). Zoë Kravitz, como Yvonne, é o contrapeso sensual e sarcástico do protagonista, e os dois têm uma química que segura boa parte das melhores cenas do filme.
Ah, e sim, o gato é um personagem.
Gangue de figurões: Schreiber, D’Onofrio, King e… Bad Bunny?
O elenco de apoio parece ter saído de uma convenção de personagens excêntricos:
Liev Schreiber e Vincent D’Onofrio como mafiosos judeus impagáveis;
Regina King como uma policial durona com frases de efeito afiadas;
Matt Smith (Doctor Who) como o vizinho metido a esperto;
Bad Bunny como Colorado, um vilão absurdamente caricato que parece ter fugido de um filme do Adam Sandler.
Todos estão exagerados, conscientes disso e deliciosamente livres.
Aronofsky vs Aronofsky: esse filme é dele mesmo?
O grande barato de Ladrões é justamente o fato de ser o “não-filme” de Aronofsky. É como se ele dissesse: “Tá bom, já fiz arte suficiente. Agora vou brincar.” E brinca mesmo: com os gêneros, com os clichês, com o próprio nome.
Ele chega a fazer graça nos créditos finais (!), mas também entrega uma das cenas de ação mais memoráveis do ano — um plano de drone lindamente coreografado entre prédios de tijolo que remete a Amor, Sublime Amor. Ou seja: mesmo relaxado, Aronofsky ainda é Aronofsky.
Baseado em um livro… mas não espere fidelidade literária
O roteiro é adaptado de um romance de Charlie Huston (publicado no Brasil como Os Ladrões), mas o filme toma liberdades que só um diretor com Oscar no currículo teria coragem de tomar. A Nova York retratada é mais personagem do que cenário, e os temas sociais — especulação imobiliária, racismo estrutural, abuso de poder policial — estão ali, mas como pano de fundo para a diversão.
Não espere crítica social profunda. Aqui, tudo é pano de fundo para o caos — e o caos é bem vindo.
“Mas tem profundidade?”
Tem, mas está bem escondida atrás de uma perseguição de carro ou de uma piada sobre intestinos.
No final das contas, Ladrões fala sobre culpa, arrependimento, paternidade e o desejo desesperado de consertar o que já está quebrado. Mas sem pesar. É aquele tipo de filme que, se quiser, você pode levar a sério. Mas se não quiser, ele também te abraça com uma trilha do IDLES e uma explosão bem filmada.
Curiosidades que você não sabia
Butler realmente transformou seu corpo — com um “baseball butt”
Para interpretar Hank, um ex-jogador de beisebol, Austin Butler ganhou 35 libras (de 68 kg para cerca de 84 kg) focando em hip thrusters e uma dieta de pizza e cerveja. O próprio Darren Aronofsky enviou fotos de grandes centros de jogadores de beisebol para ajudá-lo a atingir o físico do personagem.
Butler chegou a dormir no set — literalmente
O ator permaneceu no apartamento do personagem durante as filmagens, chegando a dormir lá vestido apenas com roupa íntima. Certa vez, acordou já com a equipe técnica entrando no local
O gato realmente se destacou
O felino “Tonic”, que faz parte do filme, foi considerado um destaque — tanto que Butler o chamou de “real estrela do show” em entrevista à Reuters.
O diretor admitiu buscar algo mais leve
Em entrevista ao The Guardian, Aronofsky afirmou que Ladrões foi uma oportunidade de se afastar de seu estilo habitual mais pesado e explorar um tom mais divertido e nostálgico, ambientado na Nova York dos anos 1990
Vale o ingresso?
Sim, se você quer:
Um filme diferente e ousado
Austin Butler mais humano e carismático
Gângsteres excêntricos e tiros com humor
Uma Nova York suja e nostálgica
E uma comédia criminal com cara de blockbuster e alma indie
Não, se você espera um novo Cisne Negro. Esse pássaro voou.
Onde assistir?
Ladrões estreia exclusivamente nos cinemas brasileiros em 28 de agosto de 2025, com distribuição da Sony Pictures.