“Ainda estou aqui.” Essas três palavras resumem a força de Eunice Paiva, esposa de Rubens Paiva, ex-deputado cassado e desaparecido pela Ditadura Militar em 1971. O sequestro e assassinato de Rubens transformaram a vida de Eunice, até então dona de casa e mãe de cinco filhos, em uma jornada de dor, resiliência e luta. Essa trajetória é retratada com profundidade e ternura no filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro.
Ainda Estou Aqui: A Trajetória de Eunice Paiva nas Telas
O longa adapta o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens. A narrativa acompanha não apenas a brutalidade da ditadura, mas também a transformação de Eunice em símbolo da resistência democrática.
O desaparecimento de Rubens é apenas o ponto de partida: o que se desenrola é o retrato íntimo de uma mulher que, entre traumas e prisões, ergueu a voz em defesa dos direitos humanos. A busca pela verdade sobre o marido se torna também a luta coletiva de milhares de famílias destroçadas pelo regime.
Reconstruindo a história: Dos livros às telas com Walter Salles
Este é o primeiro filme de Walter Salles no Brasil em mais de 15 anos. Conhecido por Central do Brasil e Diários de Motocicleta, o diretor imprime em Ainda Estou Aqui sua marca pessoal: um olhar humano diante de uma tragédia histórica.
A câmera acompanha tanto os momentos íntimos da família Paiva em sua casa no Leblon quanto a opressão crescente da ditadura — helicópteros militares sobrevoando a praia, ruas tomadas por soldados, visitas de amigos interrompidas pelo medo. Salles mescla dramatização e imagens em Super 8, reforçando a sensação de memória viva.
Com fotografia impecável de Adrian Tejido e trilha sonora de Warren Ellis, o filme é um drama visualmente arrebatador que se mantém universal, mesmo tratando de uma história profundamente brasileira.
Fernanda Torres e Fernanda Montenegro: Um encontro histórico
O grande trunfo do longa está nas atuações.
Fernanda Torres interpreta Eunice em sua fase adulta. Sua performance foi descrita como uma das melhores de sua carreira — da dona de casa de classe média à mãe destroçada, até se tornar ativista corajosa. Essa entrega já lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz e a colocou como favorita ao Oscar, perdendo a disputa para a protagonista de Anora.
Fernanda Montenegro, em participação breve mas impactante, vive a Eunice idosa, já nos anos 2000. A presença da maior atriz do Brasil adiciona um peso emocional indescritível, especialmente pelo fato de dividir o papel com a filha na vida real.
Essa passagem de bastão entre mãe e filha, dentro e fora das telas, tornou-se um dos momentos mais emocionantes do cinema recente.
O impacto de Ainda Estou Aqui no cenário cinematográfico
A recepção do filme foi arrebatadora. A estreia mundial ocorreu no Festival de Veneza, arrancando aplausos de pé e sendo imediatamente apontado como candidato ao Oscar de Melhor Filme Internacional — uma conquista que o Brasil não alcançava há quase duas décadas e conseguiu ganhar um prêmio inédito da Academia no Oscar 2025.
Além do sucesso internacional, a produção ganhou o prêmio Osella de Ouro de Melhor Roteiro e foi celebrada em festivais pela forma como equilibra denúncia política e emoção familiar.
Boicote e sucesso: Um reflexo da sociedade
Assim como Eunice enfrentou resistência e silenciamento, Ainda Estou Aqui também sofreu boicotes de grupos da direita, que tentaram deslegitimar sua mensagem. Mas o efeito foi o contrário: a polêmica só aumentou o interesse do público, levando a obra ao topo das bilheteiras brasileiras e ampliando seu alcance global.
Esse embate reflete o quanto o tema da ditadura ainda reverbera no Brasil contemporâneo, provando que a memória e a luta por justiça permanecem atuais.
Ainda Estou Aqui: Um convite à reflexão
Mais do que um drama histórico, Ainda Estou Aqui é um testemunho universal sobre memória, amor e justiça. A trajetória de Eunice Paiva inspira não apenas pela dor que carrega, mas pela força com que transformou tragédia em resistência.
Com a direção sensível de Walter Salles e as atuações inesquecíveis de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, o filme reafirma a importância de revisitar o passado — não para reviver feridas, mas para que nunca mais se repitam.
É um filme que fala do Brasil, mas ecoa em qualquer lugar do mundo: porque, no fim, a luta de Eunice é a luta de todos nós por dignidade e verdade.